Solidariedade com igualdade



A Economia Solidária propõe uma nova forma de organizar a produção, as relações de trabalho e o consumo, alternativa ao modo hegemônico, mercadológico, cujos impactos, ao objetivar o lucro de poucos, subordina o bem-estar de trabalhadores, consumidores e cidadãos.

Assim, o Brasil viu surgir um modelo de economia que produz e comercializa a partir de princípios de solidariedade e de autogestão, florescendo em meio ao mercado e às relações desiguais. Desde 2003, esses esforços foram reconhecidos pelo Governo Federal, e foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), com o objetivo de incentivar e fomentar iniciativas nessa área.

Entretanto, a economia solidária não está isenta de reproduzir contradições de próprias do modelo capitalista de produção, que promove exploração e desigualdade. O machismo e a opressão das mulheres é uma dessas contradições.

Buscando contribuir para superar essa contradição nos empreendimentos solidários, surgiu dentro do Brasil Local, o projeto Economia Solidária e Economia Feminista, executado pela Guayí em parceria com a Senaes. O projeto visa a qualificar a economia solidária a partir do diálogo com a economia feminista, e formular propostas para as políticas públicas a partir da sistematização do acúmulo já existente em empreendimentos solidários organizados por mulheres, e do aprofundamento dos debates acerca dos conceitos e das potencialidades da economia feminista.

UMA REALIDADE DESIGUAL

Há muitos dados que apontam a desigualdade que há entre o trabalho dos homens e o das mulheres. Muita gente já ouviu falar que um homem ganha, em média, segundo o IBGE, 20% a mais para realizar mesma função que uma mulher. Também se sabe que as mulheres são maioria entre os trabalhadores informais (aqueles sem carteira assinada, portanto, sem direitos garantidos), e entre os desempregados.

Soma-se a isso o fato de que as mulheres são as principais responsáveis pela execução do trabalho doméstico e pelos cuidados com crianças, pessoas idosas ou pessoas doentes, o que as leva a cumprir a famosa dupla jornada.

Em casa, no campo, ou no mercado de trabalho, a invisibilidade do trabalho das mulheres é outro desafio a ser superado. Os cargos de chefia são, em geral, ocupados por homens, e as tarefas desempenhadas majoritariamente por mulheres acabam sendo desvalorizadas no mercado de trabalho. O conhecimento das mulheres é compreendido como “natural” delas, e portanto, não especializado e não qualificado.

Levantando todos esses dados de realidade, fica incontestável a desigualdade que há no mundo do trabalho, e o quanto as mulheres é que são prejudicadas por isso. Sendo assim, para uma economia solidária, libertadora, calcada em outros padrões de relações sociais e de produção, é inadmissível reproduzir vícios do mundo que ela veio contestar.

EM QUE PÉ ESTAMOS

Com essa tarefa em mente, o Brasil Local: Economia Solidária e Economia Feminista é desenvolvido em nove estados brasileiros, onde foram mapeados empreendimentos solidários organizados por mulheres.

Conhecendo a realidade desses empreendimentos, é possível aferir quais políticas públicas devem ser desenvolvidas para favorecer o recorte feminista na economia solidária. Isso é valorizar o conhecimento produzido pelas mulheres e fortalecer a presença delas na economia solidária. Formar essa rede também favorece à diversificação das atividades desenvolvidas pelas mulheres na economia solidária, pois a troca de experiências e a valorização do seu trabalho são instrumentos importantes da construção de autonomia.

O projeto oferece processos formação e de qualificação para esses empreendimentos, de modo a fortalecê-los. Sendo assim, uma consequência importante do trabalho desenvolvido pelo Brasil Local Feminista é o fortalecimento da organização das mulheres. Estando organizadas, elas poderão desenvolver seus projetos e colaborar solidariamente uma com a outra.

No segundo seminário nacional do projeto, que acontece aproveitando a oportunidade da Feira, a coordenação pretende trazer uma síntese das discussões feitas até agora. O espaço proporá reflexões sobre economia feminista, socialização das experiências desenvolvidas no âmbito de cada estado, de cada ramo de atividade, e debates pertinentes aos empreendimentos solidários de mulheres. Com isso, vamos apontar perspectivas e avanças na direção de uma Economia Solidária que também seja igualitária e que combata preconceitos, acumulando para a construção de uma economia feminista, na qual o objetivo principal não seja o lucro, mas sim o bem-estar humano e a garantia de direitos no processo de produção da vida.

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Esse artigo foi publicado no jornal da 7ª Feira de Economia Solidária do Mercosul, de Santa Maria.

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